Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Trivial e Singular

Um blog simples e único sobre as trivialidades e singularidades da (minha) vida

Trivial e Singular

Um blog simples e único sobre as trivialidades e singularidades da (minha) vida

O abuso dos recibos verdes

Sem-Título2.png

O chamado trabalho precário a recibos verdes é uma causa que me sensibiliza bastante. Durante a maior parte da minha vida profissional trabalhei a recibos verdes. Verdadeiros recibos verdes. Apesar de ter tido sempre uma entidade empregadora principal, à qual dediquei sempre mais tempo e há mais tempo, em determinados períodos também acumulei com outras atividades, noutras entidades. Em todas elas o volume de trabalho era variável e como tal a remuneração mensal também. Em todas tinha flexibilidade de horário (embora condicionada) e nenhuma expectativa de remuneração quando o mês iniciava. Como me sentia? Bem, nos meses muito bons, frustrada e desanimada nos meses maus.

Para quem não sabe, nos recibos verdes, é o próprio que paga, a partir do valor mensal total que recebe da entidade empregadora, a sua segurança social. Este valor é calculado à taxa de 29,6% Atendendo a que não se recebe todos os meses o mesmo, a segurança social atribui um escalão ao trabalhador em função dos rendimentos anuais do ano anterior. Sendo assim, no escalão mais baixo, o trabalhador paga mensalmente 124,09€. Para além disto, há ainda a retenção na fonte, com uma taxa de 25%, para trabalhadores que auferem mais de 10000€/ano. As contas são fáceis de fazer. Quem ganha 1000€ paga em média 186,13€ à segurança social e deixa na entidade 250€ para retenção na fonte. No final fica com 563,87€. São quase 450€ a menos face ao bolo total. Como é óbvio, trabalhar a recibos verdes torna-se ingrato, porque a remuneração é contabilizada em função de comissões, horas, clientes, contratos,.. mas quanto mais se amealha ao final do mês, mais se dá ao estado, de uma forma bastante significativa. Para além disso, o trabalhador paga o seu seguro de acidentes de trabalho, não recebe subsídio de natal e de férias, não recebe subsídio de alimentação, nem de transportes e só recebe quando trabalha. Conclusão, ter férias é uma angústia. Representa um gasto superior associado a um défice na entrada de rendimentos, por isso é que tanta gente que trabalha a recibos verdes não goza o mês de férias habitual. As baixas também são outra questão injusta. Só após o primeiro mês de baixa é que o trabalhador passa a receber o apoio, ou seja, passa um mês inteiro doente e a gastar em medicamentos, com as despesas habituais para viver e sem receber nada.

O código do trabalho estabelece algumas condições para definir se as circunstâncias do trabalhador corresponde efetivamente a uma situação de verdadeiros recibos verdes ou a condições típicas de um contrato de trabalho por conta de outrem. E atualmente, e infelizmente, muitas pessoas trabalham numa situação de falsos recibos verdes. E porquê? Cumprem horário de trabalho fixo, utilizam as instalações e materiais da entidade, colaboram a 100% com uma única entidade trabalhadora, não têm autonomia na definição da sua remuneração e cumprem as regras da empresa, não as suas. Quem é que se identifica com esta situação?

Eu compreendo a ideia de existir este regime remuneratório. Acho que faz sentido e poderá adequar-se a muitas pessoas. Mas aquilo que me parece que mais acontece é serem as empresas que contratam a beneficiar deste regime, ilibando-se das suas responsabilidades. Há poucos anos, o estado impôs que quando um colaborador trabalha 80% ou mais do seu tempo com uma única entidade (contabilizado em função da percentagem da remuneração total), a entidade tem de pagar à segurança social 5% do valor anual bruto pago ao colaborador. Parece-me que esta medida foi implementada no sentido de responsabilizar mais as empresas e favorecer os colaboradores. Na prática não sei se foi isto que aconteceu. Quando esta prática surgiu, fui questionada por todas as entidades com que trabalhava para saber que percentagem de tempo dedicava a cada empresa. Todas procuravam fugir desta responsabilidade e percebi que em algumas entidades, aquelas pessoas que infelizmente trabalhavam menos, possivelmente, seriam preteridas por aquelas que não constituíam esta despesa para a empresa. Ou seja, uma treta. Mais uma vez, acho que o estado não conseguiu proteger os colaboradores e colocou-os à mercê dos empregadores e, possivelmente, em situação mais precária.

Sei que há muitas pessoas que pensam que quem trabalha a recibos verdes ganha bem e muito, ou seja, que ganha mais do que um trabalhador por conta de outrem. Em algumas situações, o rendimento bruto pode até ser maior, mas na prática poucas vezes isso acontece. Poderão beneficiar deste regime pessoas muito especializadas que prestam serviços muito específicos e em áreas de pouca oferta de mão de obra. No entanto, este regime é aplicado a técnicos variados e profissões tão díspares, como fisioterapeutas, explicadores, professores, formadores, psicólogos, fotógrafos, jornalistas, vendedores, empregados de loja, administrativos,.. e isto deixa-me tão revoltada. É tão injusto que no nosso país, na Europa e em pleno século XXI os direitos dos cidadãos não sejam devidamente respeitados e que aqueles que vestem a capa de empregadores rapidamente se esqueçam do que é estar do outro lado e só pensem em como “dar menos” a quem trabalha para si e contribui para o funcionamento e sucesso do seu negócio. Não sou comunista, nunca fui e não me identifico com os valores deles, mas defendo que, com as devidas diferenças entre patrões e empregados, os colaboradores deveriam ser mais respeitados e recompensados.

4 comentários

Comentar post