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Trivial e Singular

Um blog simples e único sobre as trivialidades e singularidades da (minha) vida

Trivial e Singular

Um blog simples e único sobre as trivialidades e singularidades da (minha) vida

Na riqueza e na pobreza.. ou talvez não. O casamento em modo empresa.

Há cinco anos, eu disse e ouvi: “Eu X, recebo-te por minha/meu esposa/esposo, a ti Y, e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida”, mas na realidade pensei ter dito e ouvido: “eu X, recebo-te por minha/meu esposa/esposo, a ti Y, e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, todos os dias da nossa vida”. Perceberam a diferença? Na riqueza e na pobreza. Eu realmente pensava que tinha proferido a segunda frase, mas de acordo com as Paróquias de Portugal a segunda versão não existe.

 

Independentemente daquilo que a igreja institui, para mim, o que faz mais sentido é a segunda opção. Mesmo! Considero que o casamento é uma união, que pode ou não ser celebrada. Para mim, um casal que tem uma relação amorosa, que junta os trapinhos e decide percorrer um caminho conjunto, é um casal e está num casamento. Como tal, espera-se, ou pelo menos eu espero, que exista por parte de cada um, apoio ao outro nos momentos bons e maus da sua vida e do casal. Sejam momentos de alegria ou tristeza, de doença ou saúde, de riqueza ou pobreza. Acredito que a maioria dos casais consegue apoiar-se na tristeza e na doença, embora possa ser um processo difícil e muitas vezes com sequelas para a relação, afinal já todos ouvimos falar de casamentos que não sobreviveram a mortes e a doenças graves ou crónicas. No entanto, cada vez menos acredito que os casais estão capazes de se apoiar na pobreza. Sim, na pobreza. Na riqueza é fácil haver apoio. Dizem que o dinheiro não traz felicidade, mas todos sabemos que o dinheiro ajuda muito no dia-a-dia, na qualidade e no estilo de vida. Ter dinheiro abre portas, facilita oportunidades, proporciona momentos e experiências que de outra forma não seriam possíveis, e isso é bom e torna a vida mais fácil. É sem dúvida mais fácil do que lidar com a pobreza, com o ordenado contado e limitado, com as dívidas, com o desemprego, com a incerteza sobre o amanhã. A falta de dinheiro é uma realidade e vemos diariamente casais em que ambos os elementos estão desempregados. Não consigo sequer imaginar a aflição, o medo, o desespero. E só posso desejar nunca viver uma situação dessas.

 

Eu tenho a felicidade de viver uma união no seu todo, tal como prometi há 5 anos na igreja. Eu apoio e sou apoiada pelo meu marido nos bons e maus momentos, independentemente da natureza dos mesmos. Para mim, é um pressuposto do matrimónio (ou da união de facto). No entanto, esta não me parece ser a realidade da minha geração. Os “casamentos” de muitas pessoas que me rodeiam não são uma união, são, como diz o meu marido, uma sociedade, uma empresa. Não sei se é o melhor termo para definir aquilo a que assisto, mas não encontro melhor. E a que é que me refiro? Refiro-me a uma vida comum, mas com contas, rendimentos, despesas e dívidas distintas. O que é que isto significa? Significa que habitamos na mesma casa, mas somos entidades financeiras distintas. Eu ganho X e ele Y. Dividimos as despesas comuns (renda, água, luz, supermercado) e cada um gere as suas despesas pessoais e faz o seu pé de meia individual. Pelo que percebo (ou melhor, observo em alguns casais), há várias fórmulas para fazer isto funcionar. Por exemplo, cada um tem a sua conta ordenado e transfere para uma conta comum um valor médio estimado, igual para ambos, que permite pagar as contas comuns correntes e fazer uma poupança comum, por exemplo, para as férias. O resto, fica na conta de cada um, para gastos e poupanças individuais.

Eu não concordo com esta gestão, não me faz qualquer sentido e tenho muita dificuldade em compreender este comportamento numa relação de união, apesar das justificações que oiço. Provavelmente, esta gestão até não é complicada ou problemática se ambos os elementos do casal ganharem valores idênticos e elevados. Mas, e quando estamos a falar de rendimentos inferiores ou de casais com elevada discrepância salarial, e quando um deles está empregue e outro desempregado, como é que se faz esta gestão? Honestamente, não me interessa, certamente que quem vive assim, consegue encontrar um modelo de gestão que se ajuste a essas circunstâncias. Mas, o que é que isto significa para a vida do casal? Como é que um casal é um casal a viver assim? Para mim, não faz sentido e só o consigo entender como um factor de stress acrescido à dinâmica familiar.

 

As pessoas com quem já conversei sobre este tema dizem-me que é por uma questão de segurança, porque já foram prejudicadas em relações passadas, porque a outra pessoa não tem estabilidade e um ordenado certo, porque já tem um pé de meia substancial e não é justo partilhar, porque o outro tem despesas com as quais não concorda, porque, porque, porque,.. há certamente muitos motivos e boas justificações, mas não consigo deixar de pensar que há também uma série de pressupostos implícitos. Por exemplo, que um dia a relação vai acabar, que um dia vamos fazer vidas separadas, que um dia a outra pessoa pode aproveitar-se de mim,.. serão crenças infundadas? Provavelmente não. Quem casa e vive em total união também as tem. Acredito que qualquer pessoa que dá o passo de partilhar a sua vida com outro e constituir uma família pensa no que significa esse passo, tem dúvidas e certamente muitas inseguranças. Faz parte do processo de decisão, da incerteza quanto ao futuro, do medo de falhar,.. mas a decisão de avançar e partilhar implica uma posição de risco, o acreditar e o esforço por tentar. Mas, porque é que uns casais resolvem estas questões e partilham a vida financeira e outros não o conseguem fazer? Não sei. Mesmo! Mas não consigo deixar de pensar que há motivos de natureza egoísta nesta decisão. Isto porque, nos casais que eu conheço, esta posição foi tomada e defendida principalmente pela pessoa que está na posição mais favorecida. Leio isto como egoísmo, porque entendo que essas pessoas percebem que estão melhor posicionadas e não querem partilhar o seu “lucro” com quem não está em igualdade. Mas isto faz sentido com a pessoa que mais amamos no mundo? Com aquela pessoa com quem queremos dividir o melhor e o pior da nossa vida? Até compreendo que aquando da união, cada um reserve as poupanças feitas até ao momento (porque resultaram de um esforço individual e prévio à relação), mas sempre com a partilha a 100% dos rendimentos e despesas conseguidas após a união. Podem até dizer, mas e se ele quiser comprar um carro de 20 000€ e eu achar que é demasiado? Pois bem, tem de ser negociado. É isto o casamento. Lidar com o orçamento e limitações financeiras obriga a prioridades, planos, estratégias, cedências, e muita, muita negociação, partilha, respeito, consideração e compreensão. É isto o casamento. Não viver estas situações facilita aparentemente a vida familiar, mas eu não consigo acreditar num casamento que vive assim.

Para além disto, se numa união em pleno, o dinheiro já é um assunto recorrente, como é que acontece com estes casais? No final da semana, sentam-se à mesa e cada um apresenta as suas despesas e diz “deves-me X e eu devo-te Y” ou “deste umas calças ao Joãozinho, mas eu não vou pagar a minha parte porque não concordo com esta compra, devias ter me consultado”. Já imaginaram o desgaste que é para a relação viver permanentemente com a calculadora na mão e dar e receber dinheiro do/a cônjuge? Eu sei que não conseguia. Dava em maluquinha. Acho tão feio estar com um casal de amigos num restaurante e ver que eles dividem a conta e cada um paga o seu, ou estar a tomar um café no bar e ouvir o casal falar daquilo que cada um deve ao outro,.. a sério? isto é mesmo necessário? Eu, se o fizesse, tenho a certeza que não o mostraria a ninguém. E depois como é com as despesas individuais? Ora, “eu tenho dinheiro para ir de férias para as Maldivas, e tu? só para palma de maiorca?” - como é que se faz?

 

Eu acho que psicologicamente esta situação pode ser muito difícil de viver e até humilhante para a pessoa que está em posição financeira mais desfavorável. Só consigo pensar que o meu marido é das pessoas mais importantes da minha vida, mas é sem dúvida a pessoa em quem mais confio, é aquele a quem dou a conhecer o melhor e o pior de mim, os meus receios, fracassos, medos, vitórias, dúvidas, questões,.. se eu me sentir inferior a ele financeiramente, o que é que isso me faz? Como é que me vou sentir e comportar perante ele? Eu não acredito que poderia viver em pleno com ele, mostrar quem realmente sou, porque no fundo se ele separa o seu dinheiro do meu está me a dizer que se preocupa mais com ele do que comigo. Pior, está muitas vezes a dizer que não se preocupa com as minhas dificuldades e não está disponível para me ajudar.  Honestamente, eu não conseguia viver com isto. E depois com os filhos, como é que se divide? Consulta-se o outro sobre tudo o que é preciso comprar? “concordas? esta marca ou aquela? as sapatilhas ou as botas? o que é que pagas? mas eu não tenho dinheiro para isso?”. E que mensagem é que isto passa para os filhos? Que os pais são uma sociedade, que a divisão de bens já está feita?

Apesar de não concordar, tenho observado que esta realidade familiar é cada vez mais comum. Entristece-me muito, não o desejo a ninguém e lamento que quem vive assim não experience o casamento no seu todo. Poderão dizer-me que é o que faz mais sentido atualmente, que é fruto da realidade económica e social atual, mas não consigo deixar de pensar que o divórcio é também cada vez mais uma realidade. Haverá ligação entre a manutenção do casamento e a realidade financeira do mesmo? Era interessante fazer o estudo.

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